Friday, December 01, 2006

Meu primeiro rivotril

Eu não tomo remédios. Ou melhor, eu tomo remédios quando estou morrendo de dor, sem conseguir pensar direito, quando não há mais saída. Eu simplesmente não penso nos remédios, não sei qual é bom para o quê e não tenho na minha casa nem uma aspirina. E quando fico com dor de cabeça, deito e espero que ela passe sozinha. E, acreditem, uma hora ela vai embora.
É que não sei direito qual é a linha limite da dor que merece remédio daquela que não merece. Tem gente que não liga, que nos primeiros sintomas manda a cápsula pra dentro, mas, sei lá, eu não fui criada assim, e portanto não sou assim. No final, tudo é culpa das mães mesmo.

Mas esse ano ganhei de um amigo uma caixa de rivotril. Um amigo psquiatra. Eu é que pedi pra ele, porque achei - erroneamente - que rivotril era um remédio pra dormir. E às vezes, quando estou putíssima, ou tristíssima, ou ansiosíssima, eu tenho problemas com o sono. E aí, quando ele me deu a caixa, eu guardei para a ocasião certa.

Passaram-se semanas, meses. A caixa lá, dentro do meu armário, fechada. Mas à minha espera. E aí ontem eu decidi que este era um bom momento para chegar em casa, tomar um banho e deitar na cama, sem me relacionar com o mundo exterior. Foi uma semana de ligações de mega chefes no meu celular - e quando mega chefes ligam para o seu celular, ou eles te dão aumento, ou eles te dão esporro. Pelo rivotril da noite passada, dá pra se concluir que mais rica eu não estou. Alguém deve estar, mas não eu. Mas foram ligações curtas e grossas, somadas à ansiedade de que chegue logo o ano que vem, quando todos os meus problemas estarão resolvidos, e a viagem de reveillon que deve ser inesquecível, e o celular do Ninja sem bateria. Soma-se tudo isso e, tchan- nan, tem alguém que precisa se acalmar.

Tomei dois. Um pra dar soninho e outro pra dormir. E deitei, assistindo A Grande Família. Tudo o que não me fizesse pensar. Comecei a sentir uma molezinha, uma dormência na língua e na ponta dos dedos que era bem legal. Mas nada de sono. E daí eu liguei para um amigo, que é outro psiquiatra, perguntando se a dosagem estava certa.

Batemos um longo papo sobre todas as coisas da vida. Sobre planos e passado e presente. Mas falamos pouco do rivotril. De repente eu estava de bom humor, rindo ao telefone. Na paz, entende? Na paz interior. Que medo desse troço. Dá uma calma boa, uma coisa assim de que tudo está bem. Ou melhor: de que nada é tão sério assim. É bom... E que medo que dá.

Depois, no meio da conversa, o Ninja ligou. Ele, ao contrário de mim, adora um remédio. Sabe marcas e estilos e efeitos e dosagens. E não acha nada demais eu tomar um rivs (todo mundo que toma rivotril chama o remédio de rivs, sabiam?). Ai, se eu vou na dele... Se eu vou na dele, talvez dê certo, porque ele sabe de tanta coisa e, sei lá, vai que ele acerta nessa também. Mas dá medo. É muita paz interior pra uma pessoa só.

Hoje eu estou ótima. Bem humorada. Com a marcha um número a menos da que costumo estar. E a caixinha, ainda com muitos comprimidos, continua no meu armário. Duro vai ser esquecer por um tempo da existência dela.

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